Escolas começam a enfrentar déficit de natureza das crianças

Escolas começam a enfrentar déficit de natureza das crianças

Se alguma escola ainda tem grama sintética no parquinho é melhor arrancá-la imediatamente. Está tudo errado nessa ideia meio anos 1980 de se construir um ambiente artificial para que a criança não se suje enquanto brinca no intervalo.

Primeiro, porque a brincadeira no pátio não é vista mais apenas como algo que o aluno faz entre uma aula e outra: ela é parte do processo de aprendizado. Depois, porque os educadores e pais começam a entender que a roupa e o tênis sujos são um ótimo sinal. Limpar essa sujeira é chato, vamos concordar, mas vale a pena.

A importância de se criar nas escolas espaços de contato com um ambiente natural é um dos temas a serem discutidos no Seminário Latino-Americano Criança e Natureza 2019, que acontecerá em junho, no Rio. O evento é organizado pelo Instituto Alana, ONG de defesa dos direitos da criança, em parceria com o Sesc, e traz ao Brasil uma discussão, já ampla nos Estados Unidos, sobre um fenômeno batizado de “transtorno do déficit de natureza” na infância. 

É crescente o número de pesquisas que relacionam o afastamento entre as novas gerações e a natureza a distúrbios como ansiedade, obesidade e déficit de atenção. Por outro lado, há estudos apontando que a proximidade com ambientes naturais ajuda a criança a superar dificuldades assim. 

Coordenadora do projeto Criança e Natureza do Alana, Laís Fleury conta que a resistência de escolas das grandes cidades à ideia de reduzir o déficit de natureza dos alunos passa principalmente por três alegações: falta de verba, de espaço e localização.

O mapeamento “Desemparedamento da Infância”, do Alana, traz, contudo, iniciativas de baixo ou nenhum custo, de escola em áreas arborizadas a incrustadas entre arranha céus. Em Novo Hamburgo(RS), por exemplo, a Emei Prof. Ernest Sarlet trocou o muro entre o seu playground e a praça ao lado por um portão, criando um trânsito entre os dois ambientes. Outros 32 escolas da rede municipal se engajaram na proposta de ampliar o contato com a natureza.

Em São Paulo, a pocas quadras da avenida Paulista, a Santi derrubou paredes das salas para instalar janelões com vista para o jardim, construiu hortas verticais, aproveitou cantinhos para minhocários e composteiras e inseriu na grade aulas no parque Ibirapuera. No bairro da Lapa, a Emei Dona Leopoldina transformou o matagal que cercava a sede em espaços para aulas, em que a turma se senta embaixo de árvores ou no meio da horta. 

Essa consciência já atinfe os pais, ainda que intuitivamente. A escola Espaço da Vila encomendou uma pesquisa com moradores da região do Butantã, onde está localizada, com filhos de 0 a 3 anos, de classe AB, seu público-alvo. Detectou que eles percebem espaços abertos e com grama de verdade com um valor. 

No seminário a ser realizado em junho, entre os palestrantes, Sérgio Godinho, sócio diretor da Escola da Serra, de Belo Horizonte (MG), abordará um conceito ainda raro mesmo entre os que já despertaram para a discussão: o de que o contato com a natureza não é importante só na educação infantil mas também no ensino fundamental e no médio. 

Murilo Cavalcanti, secretário de segurança urbana de Recife (PE), defenderá que o desemparedamento não deve ser desencorajado pelo medo da violência, porque ele funcionaria justamente como uma forma de combatê-la.

É difícil arrumar desculpa para não aderir à causa diante de uma lista com nada menos do que cem sugestões feita pelo jornalista norte-americano Richard Louv, autor de “A Última Criança na Natureza”. Elas se dirigem a todos que fazem parte do universo das crianças: pais, avós, educadores, e também a empresas e governos.

Vão desde fazer uma horta em um vaso dentro de casa, brincar no sol e observar as nuvens deitado no quintal ou através da janela a pescar, praticar ecoturismo, colocar aquários em salas de aula e transformar terrenos baldios em playgrounds verdes. 

Ainda não arrancou a grama sintética? As crianças vão adorar ajudar nessa missão.

 

Laura Mattos
Jornalista e mestre pela USP, Laura Mattos está na Folha desde 2000, desde 2016 produz reportagens especiais. 

[Fonte: Folha de São Paulo]

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