Ele não divide nada, morre de ciúme quando alguém chega perto de você e pensa que é o centro do mundo? Calma, seu filho não é o único, tenha certeza. Entenda por que isso acontece e o ajude a ser uma criança mais sociável e feliz
Bruna Menegueço
A maioria das crianças vai viver a fase do “é tudo meu!”, que atinge o seu ápice por volta de 3 anos. Faz parte do desenvolvimento, do amadurecimento e da formação da personalidade. “Com o passar dos anos, por meio das experiências, ela vai perceber que não dá para viver sozinha e aprende a compartilhar”, diz o psicólogo Yves de La Taille, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e especialista em desenvolvimento moral.
Até lá – e para ajudar o seu filho nessa conquista social – dê o exemplo e seja paciente. “Como o processo é natural, a insistência em querer que a criança empreste o brinquedo não melhora em nada. Por isso, vá com calma e ofereça possibilidades”, afirma a psicanalista infantil Anne Lise Scappaticci, de São Paulo. “O adulto precisa administrar a situação, e não resolver pela criança”, conclui.
Claro que, durante um escândalo no meio do shopping, você dificilmente vai se lembrar das explicações científicas. Selecionamos, então, algumas dicas para lidar com as situações mais comuns.
Seu filho não empresta os brinquedos para ninguém
Normalmente, os primeiros sinais da dificuldade de dividir surgem a partir do primeiro ano e vão diminuindo aos poucos até os 6, quando espera-se que a criança adquira o senso de viver em sociedade de forma consistente. Caso seu filho ultrapasse essa idade tendo ataques de egoísmo constantes, é melhor procurar um especialista. Pode ser que ele esteja sofrendo com algum acontecimento recente e essa seja uma forma de pedir ajuda.
Desde pequeno, gestos simples, no dia a dia, ensinam o seu filho a dividir: ofereça uma mordida da bolacha, peça ajuda para arrumar a cama, elogie um desenho que ele mostrar (afinal, ele está compartilhando isso com você!).
Durante aquele ataque de egoísmo, mostre como é mais legal brincar em grupo. Proponha uma brincadeira com os outros amigos. Pode ser um jogo ou até mesmo esconde-esconde ou passa-anel, passatempos clássicos. No meio da diversão, enfatize como aquele momento junto com os colegas está sendo legal. Se ele não quiser emprestar os brinquedos novamente, relembre aquele dia em que todos jogaram juntos. Proponha, então, que divida o que tem para que a brincadeira se torne ainda mais legal. Se continuar a resistir ao empréstimo, não force a barra nem arranque o brinquedo da mão dele. Dessa forma, a lição se perde em meio ao ataque de raiva.
Alguns especialistas indicam que os pais designem tempos para cada criança ficar com o brinquedo. Vale lembrar, no entanto, que a percepção do tempo se desenvolve só a partir dos 3 anos. Antes disso, o diálogo e o seu exemplo fazem a diferença.
Na escola, no shopping e até na casa dos outros: sua filha acha que tudo é dela
Tudo o que seu filho vê, não importa onde está, aponta e avisa: ‘É meu’. Ao ouvir essas palavras, você já sabe que a tempestade vai começar. Não adianta dizer que não, explicar que o produto é de outra pessoa ou que está à venda. A crise de choro começa e ele só para quando, enfim, consegue o que quer. Então, esperamos ele se distrair para sumir com o tal objeto rapidamente”, confessa. Muita calma nessa hora. Se você ceder aos gritos do seu filho, ele vai aprender que, dessa forma, consegue tudo. “O melhor jeito de evitar a crise de choro é negociar, levando em conta a idade da criança”, orienta a psicóloga Mara Pusch, especialista em comportamentos da infância e adolescência da Unifesp.
Use sempre uma linguagem que a criança entenda e, de preferência, fale olho no olho. Ou seja, abaixe-se na altura dela. Não custa lembrar: palmadas não educam em nenhuma situação
Até os 2 anos, leve a criança para outro ambiente para distraí-la. A partir dessa idade, já dá para conversar e sugerir uma solução. Uma dica é dizer para escolher o “objeto de desejo” para o aniversário ou para a próxima data festiva. Mas se não puder comprar, fale a verdade. Quando o “piti” é com algum objeto na casa dos outros, explique que, assim como ela, todo mundo tem as suas coisas preferidas. Enfatize, portanto, que aquilo já tem dono e logo mude o foco da conversa.
Ele sempre chora na hora de devolver qualquer coisa
Se você passar por essa saia-justa, comece valorizando a atitude do colega que emprestou o brinquedo, por exemplo. Descreva a situação para a criança: “Olha só que bacana, o seu amigo deixou você brincar com isso, mas agora é hora de devolver.”
Se o choro persistir e seu filho continuar agarrado ao objeto (com tanta força, que ninguém consegue “apartá-los”), faça com que ele se coloque no lugar do amigo. Pergunte: “Você ficaria feliz se ele não devolvesse o seu carrinho?”. Ainda que ele seja pequeno demais para entender, esses diálogos são importantes. Antes do choro recomeçar, proponha um jogo. Dessa forma, muda a atenção da disputa e todos percebem, outra vez, como é legal brincar juntos.
Seu filho adora ser o centro das atenções
Estamos vivendo a geração do “eu”. As preocupações se tornaram mais extrínsecas. Ou seja, dinheiro e fama ganharam mais importância do que afiliação e comunidade. Daí a percepção de que as gerações Y e Z (os nascidos de 1982 para cá) são as mais egoístas de todos os tempos.
Mas isso, obviamente, não serve de desculpa: toda criança pode, e deve, se tornar uma pessoa sociável. Em casa, não deixe seu filho interromper a conversa dos adultos, explicando que todo mundo tem a sua vez de contar uma história. Controle-se, ainda, para que ele não se torne o seu único assunto (tudo bem ser o principal, mas não o único!). Só assim, ele vai aprender a esperar e entender que não é o centro do mundo. O exemplo dos pais, dos educadores e a convivência com outras crianças é fundamental nesse aprendizado. Afinal, as experiências vividas em grupo são capazes de moldar o nosso jeito de ser. “Na escola, observamos que há vários perfis: o tímido, o bagunceiro e aquele que gosta de aparecer, entre outros”, diz Eliane Aparecida Lima, do Colégio Santa Maria, em São Paulo. “O importante é garantir que todos tenham os mesmos direitos, principalmente em sala de aula, e incentivar cada um a exercitar as suas características mais fracas.”
Você não pode conversar com ninguém que ela faz um escândalo
Quem nunca viu uma criança tentando separar os pais durante um beijo? Isso acontece de 2 a 3 anos e é totalmente esperado, principalmente em relação à mãe. Desde que nasceu, ela é a pessoa que sempre esteve ao lado dele. E, cá entre nós, fazia qualquer coisa para não ouvi-lo chorar. Como não se sentir exclusivo?
Se o seu filho chorar quando você pegar outra criança no colo, relembre alguma situação muito legal que viveram juntos, conte uma história… O objetivo é mostrar a ele que carinho, tempo e atenção podem ser divididos.
O importante é não ceder a todas as vontades dele e ter paciência. Afinal, todo mundo aprende, mais cedo ou mais tarde, que não dá para ser feliz sem compartilhar, acredita o neuropediatra Paulo Breines, do Hospital e Maternidade São Luiz (SP). Afinal, quem quer tudo para si acaba sozinho. “Aos poucos, a criança começa a perceber que sem o outro a brincadeira não tem graça”, conclui.
Fontes: Anne Lise Scappaticci, psicanalista infantil (SP), Eliane Aparecida Lima, professora da Educação Infantil, do Colégio Santa Maria (SP), Mara Pusch, psicóloga, especialista em comportamentos da infância e adolescência da Unifesp (SP), Marcelo Reibscheid, pediatra do Hospital e Maternidade São Luiz (SP), Paulo Breines, neuropediatra do Hospital e Maternidade São Luiz (SP), Yves de La Taille, psicólogo, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e especialista em desenvolvimento moral