A conexão entre a mãe e a criança pode fazer a diferença na hora do parto (e a vida toda!). Saiba o que você pode fazer desde já
Durante a gravidez, à medida que o bebê se desenvolve dentro de você, seu corpo inteiro muda. Mas os nove meses de gestação não servem apenas para dar tempo ao seu filho de crescer, ganhar peso e, assim, nascer saudável. Esse período também é uma chance de a mãe e a família se prepararem para a chegada de mais um integrante, assumirem novos papéis e, é claro, se conectarem a esse ser. “O vínculo é um processo sutil, que proporciona uma troca profunda, muito além da transmissão de nutrientes entre mãe e bebê”, explica Anna Maria Chiesa, professora do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da USP. Ao contrário do que se pensa, essa conexão tão especial entre mãe e filho não é natural e, sim, algo a ser construído e desenvolvido diariamente. “Trata-se de um ato social: a mãe se associa ao bebê colocando-o como um integrante do núcleo familiar”, explica a psicóloga Patrícia Bader, do Hospital São Luiz (SP).
É claro que a natureza dá uma ajudinha. Um estudo realizado por cientistas da Royal Holloway, universidade de Londres, constatou que mulheres grávidas tendem a usar mais o lado direito do cérebro, que corresponde ao controle das emoções. Para chegar a essa conclusão, foi realizado um teste com 19 gestantes no terceiro trimestre de gravidez e 20 novas mães que tinham dado à luz há cerca de 20 semanas. Ao mostrar a elas imagens de rostos em que metade da face tinha uma expressão neutra e a outra, uma emotiva, os pesquisadores verificaram qual dos dois lados do cérebro era mais ativado.
“Os resultados sugerem que, durante a gravidez, as mudanças na maneira como o órgão processa as emoções faciais assegura que as mães estejam neurologicamente preparadas para se vincularem ao bebê no nascimento”, explicou a líder da pesquisa, Victoria Bourne, do Departamento de Psicologia. É como se essas mulheres ficassem mais sensibilizadas pelo contato com expressões faciais. Desse modo, ver o rosto do bebê pela primeira vez – o que já é uma emoção e tanto! – geraria impacto ainda maior e estimularia a ligação a ele.
Diversas pesquisas já constataram também que ao ouvirem a voz da mãe, os recém-nascidos tendem a se acalmar: se movimentam menos e o ritmo cardíaco declina sensivelmente. Um estudo da Vanderbilt University de 2013 mostrou até que a voz materna pode ajudar prematuros a se alimentarem melhor. Em um experimento com 94 bebês, cientistas verificaram que esse som funcionava como uma espécie de recompensa para aqueles que estavam sugando a chupeta de modo correto (aprendendo, portanto, a se alimentarem sozinhos). “Estimulados pela voz materna, esses prematuros eram retirados dos tubos de oxigênio em menos tempo, reduziam sua estadia no hospital e ficavam menos estressados”, comenta uma das pesquisadoras do estudo Nathalie Maitre, Ph.D da Vanderbilt University, nos Estados Unidos. Tudo o que ocorre no corpo da mãe é captado pelo bebê. E não se trata apenas de fenômenos físicos, como sons, temperatura e luminosidade. Sentimentos de alegria e tristeza, euforia e raiva, calma e nervosismo influenciam diretamente o feto.
Vínculo extraútero
Pesquisas já constataram que altos níveis de estresse nas mães podem influenciar negativamente o bebê durante os primeiros meses de vida. Estudos recentes mostram que esses malefícios podem ser transmitidos já durante a vida uterina. Quando o nível de cortisol, hormônio associado ao estresse, está alto na corrente sanguínea da mãe, também é encontrado em maiores quantidades no líquido amniótico. Há pesquisas, inclusive, que associam essa experiência vivida pelo bebê no período intrauterino à maior disposição para desenvolver Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e também a níveis mais baixos de QI no futuro.
As consequências da vivência intrauterina turbulenta podem aparecer logo após o nascimento. “Uma gestação tensa gera crianças que choram mais, têm mais cólicas, fazem mais birra, ao passo que a gravidez tranquila se traduz em bebês mais serenos. Para os médicos, isso fica evidente na vivência clínica”, conta o pediatra Alessandro Danesi, do Hospital Sírio-Libanês (SP). Isso não quer dizer que, se você engravidou de surpresa, traumatizou seu bebê. O feto entra em contato com as suas emoções continuamente durante a gestação: um susto em algum momento não coloca tudo a perder.
Já gestações de risco, com complicações que acarretaram alto grau de estresse prolongado, podem trazer impactos negativos. “O que sabemos é que existem ambientes intrauterinos positivos e negativos. Quando o bebê se vê em um meio ruim, se sente inseguro”, explica Anna. Caminhar, meditar e praticar ioga são atividades recomendadas por especialistas para ajudar as futuras mães a se manterem mais serenas. Se você passar por um momento tenso no trabalho, como uma reunião ou uma discussão com alguém, corte o nervosismo pela raiz. Levante-se, vá tomar uma água, caminhe pelo corredor: nada é mais importante do que o seu bem-estar e o do seu bebê.
Ligações de primeiro grau
Fazer carinho na barriga, além de conversar (muito) com o bebê são maneiras simples e eficazes de construir essa relação com seu filho e levá-lo a sentir que é amado e bem-vindo. “Note como ele se move de um lado para outro e perceba seu tamanho”, aconselha a terapeuta comportamental e coaching Ramy Arany, fundadora do Instituto KVT Feminino (SP), que visa cuidar da mulher de forma plena.
Para que essa interação funcione, é preciso separar alguns momentos do dia para se desconectar do mundo, esquecer-se dos problemas e se dedicar exclusivamente à gestação. Vale estabelecer uma rotina com o bebê, sobretudo a partir do terceiro trimestre. Uma dica: ao se levantar, coloque uma música calma e massageie a barriga. Tente manter o hábito após o nascimento, garantindo ao seu filho a continuidade do carinho. “Para o recém-nascido, o mundo é um lugar hostil e, por isso, ele relaxa cada vez que tem contato com alguma sensação familiar do intraútero”, explica Anna.
Médicos sugerem ainda que, principalmente a partir do terceiro trimestre, quando o feto já tem a audição mais desenvolvida, as mães intensifiquem os diálogos com ele. No entanto, você não precisa esperar até que seu bebê seja capaz de ouvir de fato para começar a conversa. Essa é uma maneira de mostrar a ele que você o considera um ser único: com vontades, desejos e personalidade. Quando ele se mexe na sua barriga, você pode dizer: “Nossa, como você tá agitado hoje! Quer sair daqui logo, né?”. Isso ajuda no processo de construção da identidade, porque é uma fala que reconhece nele uma intenção, uma vontade, ainda que seja fictícia. “As atribuições de competências, sentidos e intenções a um ser que ainda está no imaginário favorecem o vínculo porque reconhecem o bebê como um sujeito”, recomenda Patrícia.
Como a concepção do vínculo também implica na inclusão do bebê no grupo familiar, como um membro, é importante estabelecer pontos de identificação entre seu filho e os demais componentes da família durante o seu discurso. Referir-se à criança que vai chegar com observações como: “Olha, ela chuta forte como o irmão, também vai jogar futebol”, pode ajudar os demais parentes a começarem a se identificar com o bebê. Além de, é claro, deixar avós, tios, primos e outras pessoas se envolverem nos preparativos para a chegada do novo integrante: desde o chá de bebê até alguns detalhes da decoração do quarto. Assim, todos vão se sentir importantes no processo.
Benefícios da conexão
“Eu nem conheço meus netos ainda, mas já me sinto tão avó deles”, disse uma senhora à psicóloga Patrícia, ainda na maternidade. É justamente esse o efeito do vínculo: sentir uma ligação, desenvolver o afeto e assumir o seu papel em relação ao novo membro da família. Ela se sentia nessa função por ter participado ativamente da gestação: acompanhou a futura mãe nos exames do pré-natal, ajudou a escolher o enxoval, participou da montagem do quarto. Ela já havia construído uma relação com os netos muito antes de nascerem, mesmo sem estarem em sua barriga – assim como acontece com os pais.
Para a mãe, o fato de se sentir já vinculada à criança pode ajudar – e muito – até na hora do parto. A mulher fica atenta aos sinais do próprio corpo, percebe quando o bebê muda de posição e encaixa, fica atenta às contrações. “Quando ela se prepara para esse momento, estimula o bebê para entrar em alinhamento ao seu corpo. Assim, ambos trabalham em sincronia para o nascimento”, explica Ramy.
Nos primeiros meses de vida, essa ligação sólida com a mãe facilita os cuidados iniciais. “Quando o bebê sai do útero, precisa agir ativamente: tem de respirar, mamar, chorar… é mais fácil você reconhecer o que o seu filho está querendo quando já estabeleceu esse vínculo”, explica Patrícia. Sabe quando você sente que entende exatamente o que ele quer, do que ele precisa, por que ele está chorando? Pois acredite: você sabe mesmo!
Fonte: Revista Crescer.