Linguagem oral e escrita na Educação Infantil

Linguagem oral e escrita na Educação Infantil

* por Jordana Stella Botelho

A construção da linguagem oral e escrita pela criança, como sabemos, é fundamental para sua formação humana como sujeito e como cidadã capaz de participar das práticas sociais do seu meio.

Sua aprendizagem acontece articulada a um contexto cultural e passa pelos sentidos que os primeiros adultos do seu convívio vão dando à sua fala. Amplia-se a partir do contato com seus pares e com outros adultos constituindo-se, substancialmente, por meio da interação social: falar para comunicar desejos, necessidades, pensamentos, intenções, dúvidas, queixas, ideias… A fala “nasce” atrelada inteiramente a uma função de comunicação só para mais tarde chegar a uma linguagem interior, mais ligada ao pensamento, na perspectiva de Vygotsky*.

Do mesmo modo como ocorre na construção da fala, o aprender a escrever não poderia ser diferente. O processo de aprendizagem da escrita também deveria “nascer” atrelado a uma função social; deveria acontecer de modo que a criança percebesse para que esta serve, seus usos sociais e sentisse necessidade de utilizá-la para comunicar-se, para expressar-se, destarte, apreendendo-a de modo articulado à sua função social e não fragmentada, centrada em letras e sílabas que não comunicam ideias, intenções, sentidos.

artigo jor 1Mas por incrível que pareça, no contexto da Educação Infantil brasileira em geral, ainda falta “tempo” (será isso mesmo?) para que um trabalho significativo de linguagem oral e escrita aconteça ante tantas preocupações e ocupações que crianças tão pequenas já precisam “dar conta”. Não que elas não “deem conta”, pelo contrário, elas dão; mas o que se perde no caminho frente a práticas obcessivamente preocupadas em se alfabetizar precocemente, como se estas fossem garantia de um maior sucesso escolar posterior?

Perdem-se muitas possibilidades de vivenciar na Educação Infantil práticas fundamentais para o desenvolvimento oral, cognitivo, afetivo das crianças pequenas, vivências que, muito provavelmente, não serão retomadas depois. Consequentemente, quando chegam ao Ensino Fundamental – etapa que tem o compromisso oficial da alfabetização, muitas vezes elas têm pouco repertório oral, de histórias, de percepções a respeito do mundo ao seu redor. Brincaram pouco na etapa em que mais necessitavam do faz de conta, do jogo, da brincadeira. Desenharam muito pouco e, portanto, não aprenderam que podemos representar nossas ideias e comunicá-las por essa forma de linguagem escrita: o desenho (lembremos que Vygotsky concebia o desenho como precursor da escrita!).

Exploraram pouco a linguagem oral e a escrita de um modo mais lúdico, com regras “mais negociáveis”, mais exploratórias, alimentando a imaginação, a fantasia. Deixaram de mergulhar fundo nos repertórios literários, conhecendo diversos personagens e seus dramas, lugares e enredos que teriam lhes oferecido um arcabouço valioso para suas aprendizagens e vivências no Infantil, no Fundamental, no Médio…

Tais práticas estão respaldadas em um ideal social implícito (às vezes explícito) de que quanto mais cedo as crianças aprenderem as letras, a escrever e ler palavras, a cantarolar os números, a fazer contas etc. mais rápido ela aprenderão no Ensino Fundamental e mais condições terão de competir com seus pares. Então ocorre que muitos pais bem intencionados dedicam-se a ensinar em casa seus filhos pequenos a contarem ou a reconhecerem letras em situações que não são necessariamente do seu interesse e não partem de uma pergunta deles sobre o mundo letrado e numérico que os rodeiam, pois muitas vezes eles ainda nem se atentaram para isso, sua atenção está voltada para muitas outras questões e necessidades. Não queremos dizer que não é possível brincar com as letras e números, mas será que em algumas situações é brincadeira ou é treino? “Meu filho já sabe as letras e contar até 10” é uma frase que muitos pais brasileiros utilizam para mostrar que seu filho sabe mais que o vizinho, que o primo, e será que realmente seu filho sabe mais? O que é saber mais para uma criança de 2 anos de idade, 3 anos? O que é realmente importante em cada faixa etária?

artigo jor 2Ademais, muitas famílias acreditam que escola de Educação Infantil “boa” é aquela que ensina as crianças a lerem, escreverem e contarem desde cedo. Vê-se por aí escolas que trabalham com material apostilado desde a mais tenra idade, tarefa de casa e até mesmo lições de caligrafia! Onde fica o espaço para a brincadeira, o jogo simbólico, que deveria ocupar a maior parte do tempo pedagógico em uma sala de Educação Infantil? Onde fica o espaço para as canções, as conversas, as descobertas em conjunto, para as histórias, as dramatizações, o desenho, a arte? Porque o tempo de trabalho é um só, o que mudam são as nossas escolhas.

Portanto, as práticas voltadas para uma Educação Infantil que se sabe de fato – no que concerne à linguagem oral e escrita – coloca no coração da sua rotina diária a leitura e contação de histórias, pela professora e pelas próprias crianças (evidentemente de acordo com cada faixa etária), propostas que possibilitam às crianças relatarem situações do seu dia a dia, propostas que envolvem a criação coletiva de histórias, que possibilitam registrar coletivamente e individualmente para comunicar ideias, para informar, pedir, avisar, contar, argumentar (por meio do desenho e nas etapas finais da Educação Infantil, também de tentativas de escritas “do seu jeito”) E cada uma dessas práticas permeada por muita conversa, tempo para comparar ideias, refletir, elaborar hipóteses, espaço para o e se…”

Também as cantigas, parlendas, quadrinhas, trava-línguas, lengalengas, adivinhas deveriam ser convidadas a ocupar diariamente lugar de destaque no trabalho das escolas que atendem a etapa da Educação Infantil. Todo esse material rico da cultura popular brasileira, produzido e reinventado por crianças e adultos de muitos tempos e lugares constitui mais que um repertório que merece ser compartilhado por diferentes gerações, um campo fértil de explorações linguísticas pelas crianças. Isso porque possibilita brincar com as palavras, com seu ritmo, sua pronúncia, sua repetição; travar a língua em um fonema, brincar com sons que se parecem, que são muito diferentes, com as brincadeiras de palavras que começam com a mesma letra até o final (“Pedro Pinto pintor pinta a porta pobre pintor…”). E por que não registrar coletivamente essas brincadeiras (a professora como escriba) para, quem sabe, sugeri-las em uma carta aos colegas da outra turma?

Memorizar quadrinhas populares ou pequenos poemas para apresentar aos colegas é uma proposta muito interessante para o desenvolvimento da linguagem oral, uma vez que o desafio da memorização e do “se expor para alguém ouvir” desenvolve e exercita habilidades de quem fala e de quem ouve. Porque desenvolver linguagem oral também está ligado a desenvolver a escuta, lembremos! Ouvir uma história até o final, manter o fio de uma conversação, prestar atenção no que a professora ou o colega disseram para poder interagir fazem parte do trabalho de linguagem oral no Infantil. Nesse sentido, as conhecidas rodas de conversas podem oportunizar momentos de fala e escuta significativos para crianças ampliando em muito as habilidades de relatar situações e narrar histórias. Todavia não basta somente garantir a roda de conversa na rotina se esta irá contribuir pouco para um diálogo verdadeiro entre crianças-adultos, crianças-crianças; há que se valorizar o repertório infantil, que não é menor que o do adulto, mas diferente deste, uma vez que a criança processa e produz cultura também.

Tomara que em 2016 possamos encher nossas salas de Educação Infantil brasileiras e curitibanas de mais ouvidos e olhos de professoras/es e mais vozes de alunos para que haja mais diálogo verdadeiro. Que haja espaço de sobra para a literatura, para o fantástico, para a experimentação, para o movimento, para a “brincanção”. E que, principalmente, as escolas e famílias possam “dar menos conta” de ensinar crianças pequenas a ler, escrever e contar e se “darem mais conta” do que é essencial em suas escolhas educativas diárias.

* Escrito por Jordana Stella Botelho. Apaixonada pela Educação,  formou-se pedagoga e mestra nesta área pela UFPR. Por muitos anos foi professora da Educação Básica e, mais recentemente, do Ensino Superior. É coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental da Trilhas.

 

Vale a pena conferir:

*VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1996.

*VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998.

ALESSI, Viviane Maria. Rodas de conversa: uma análise das vozes infantis na perspectiva do círculo de Bakhtin.  Curitiba: Editora UFPR, 2014.

 

 

Texto originalmente publicado para a Revista RevirEI- Revista Virtual de Educação Infantil nº2- jan/jun de 2015.

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