Desculpe o título nada inspirador do post, mas a culpa porque o filho não come, a culpa por alguns estarem acima do peso e saberem cada vez menos brincar sozinhos, é nossa. Somos nós, adultos, responsáveis pela alimentação dos nossos filhos. Somos, nós, responsáveis pela agenda das crianças. Já dissemos isso antes e repetimos: a nossa indulgência na hora de oferecer alimentos e até de deixá-los comer à vontade está criando uma geração de crianças doentes, segundo uma pesquisa realizada sob a coordenadação do pediatra Mauro Fisberg, da Unifesp. Dados da pesquisa mostram que, das crianças brasileiras entre 2 e 5 anos, 22% apresentam sobrepeso e 6% estão obesas. Estar obesa é ter 15% de gordura do corpo a mais do que o recomendado.
A grande maioria das crianças só fica desse jeito se come MUITOS porcaritos TODOS-OS-DIAS e se movimenta pouco, como mostra o documentário Muito Além do Peso. É verdade que algumas crianças têm o peso da genética no corpo. Criança até 6, 7 anos é puro movimento. Vejo Miguel. Ele é incapaz de acordar e se jogar no sofá e ficar ali, lesado por muito tempo. A leseira matinal dura 5 minutos. Logo ele está em pé no sofá ou de ponta cabeça ou se arrastando para pegar a bolinha pula-pula que caiu embaixo do móvel. Samuel também era assim. Hoje, aos 12 anos, está num ritmo mais devagar, o que tem me preocupado bastante. Mesmo assim ele fica paradão, feito poste, quando assiste TV, joga videogame, desenha ou estuda. Fora esses momentos, ele também é sinônimo de movimento, de correr, de se movimentar.
E aqui entramos na segunda culpa do dia: em um artigo no extinto caderno Equilíbrio, da Folha de S.Paulo, a psicóloga Rosely Sayão diz que as crianças de hoje não sabem brincar sozinhas porque nós, adultos, não deixamos. Já venho batendo nessa tecla há muito tempo (e, em algumas redações por onde andei, ninguém me levou a sério!). Sem saber brincar sozinha (e cada vez mais sem irmãos e primos e amigos), sobra para os pais brincarem com os filhos e filhas. Quem aguenta trabalhar o dia todo e ainda correr, pular e fazer estripulias ao chegar em casa? Poucos adultos. Maridão, por exemplo, não tem a menor paciência para tal atividade. Ele se inspira quando a brincadeira envolve uma bola.
Sem brincar se movimentando e comendo cada vez mais as comidinhas deliciosas, práticas e açucaradas, as crianças engordam, engordam e engordam!
A conta é simples. Rosely Sayão clama: “Está mais do que na hora de mudarmos esse quadro!”
Também acho. Para mim a solução está em medidas polêmicas (e talvez eu seja excretada por expô-las aqui):
1) ter mais filhos (pelo menos mais um) para a criança ter companhia
2) pais tirarem anos sabáticos – trabalharem em casa – para cuidar mais da alimentação
3) os adultos se disciplinarem para combinar com os pais dos coleguinhas de filhos brincarem um na casa do outro.
4) e por fim: parar de jogar a culpa de que o filho come mal na conta dos pequenos. Criança pequena come a comida que tem dentro de casa. Não é ela que vai ao supermercado fazer compras.
Esse é o artigo da Rosely Sayão
É tempo de criança entediadaAs férias mostram que os filhos não sabem mais brincar sozinhos, por responsabilidade absoluta dos seus paisQUANDO AS FÉRIAS escolares se aproximam, muitos pais já sabem aquilo que os espera. Como os filhos não sabem brincar sem a direção dos adultos, acabam não sabendo como preencher o seu tempo livre .
Então, vão atrás dos pais em busca de ajuda; isso acontece, inclusive, quando os pais estão em horário de trabalho. Ah! Esse telefone celular que acabou com todas as portas fechadas entre pais e filhos…
Hoje, as crianças não sabem mais brincar sozinhas: elas não sabem o que querem fazer, não sabem do que gostam, não têm curiosidade em explorar o que as circunda. E isso acontece por nossa inteira responsabilidade. Desde quando criança precisa aprender a brincar? Pois, agora, elas precisam.
Desde pequenas, acostumamos as crianças com a presença de um adulto responsável, inclusive e principalmente, por entretê-la. Quando pais contratam babás, querem alguém que tenha paciência de brincar com a criança por horas e horas, mais do que cuidar dela.
As escolas de educação infantil, de um modo geral, seguem mais ou menos o mesmo esquema. Do momento em que a criança entra na escola até o final do período, têm atividades previamente programadas. Como se não bastasse tudo isso, desde que nascem as crianças têm à sua disposição uma infinidade de brinquedos de todos os tipos e cores, que produzem os mais variados sons etc. Os pais fazem isso com boa intenção, mas o exagero na quantidade de brinquedos produz o efeito oposto do que pretendiam: em vez de interessar a criança, esse arsenal de objetos lúdicos acaba por cansá-la e fazer com que não tenha interesse real por nenhuma daquelas coisas.
Ter brinquedos não garante à criança o ato de brincar e ter muitos a leva a não dar atenção a nenhum. E não temos reclamado da atenção dispersa, mais tarde?
Quem vê uma criança brincar por muito tempo com um de seus brinquedos? Em geral, o comportamento dela é o de pegar e descartar vários, muito rapidamente. É bom lembrar que quando a criança tem muitos brinquedos não tem nenhum deles porque, ao pular de um para o outro, não consegue construir uma brincadeira.
Temos criado, dessa maneira, crianças que se entediam com muita facilidade. As férias são uma boa ocasião para os pais saírem da cena tipicamente infantil. Claro que isso não significa abandonar a criança, já que ela teve poucas oportunidades de ser empreendedora em suas brincadeiras. Dar algumas pistas, lançar poucos desafios são exemplos de ofertas que não gerenciam, tampouco desamparam a criança em sua demanda.
Conheço uma mãe que tem conseguido, não sem esforço, levar sua filha a criar suas brincadeiras e ficar bastante tempo interessada nelas. Sua atitude pode servir de inspiração, mas não de modelo.
Ela sugeriu à garota, de pouco mais de oito anos, que construísse uma “caça ao tesouro”, brincadeira bem conhecida das crianças.
A garota ficou totalmente concentrada na atividade porque a mãe dissera que, se as charadas fossem fáceis, ela não brincaria com a filha. A estratégia da mãe funcionou: a filha ficou ligada na brincadeira e a mãe gastou pouco mais de 10 minutos, à noite, para participar com a filha e fazer a sua parte.
Digo e repito: temos feito uma grande confusão na convivência com as crianças. Fazemos o que não precisa ser feito e deixamos de fazer o que é imprescindível. Já é hora de revertermos esse quadro.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de “Como Educar Meu Filho?” (Publifolha)
Fonte: Comer para crescer