Até quando dar de mamar?

Até quando dar de mamar?

Amamentação prolongada divide opinião de mães, pais e profissionais de saúde

16/10/2012

Por Naiara Araújo, filha de Luiz Augusto e Dione, e Priscila Kesselring, filha de Beatriz e Gustavo

 

A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda amamentar exclusivamente por 6 meses e, depois da introdução de outros alimentos, até 2 anos ou mais, sem especificar limite. O tempo médio de aleitamento materno no Brasil é de menos de 1 ano (342 dias), segundo dados do Ministério da Saúde referentes a 2008. Já o índice de aleitamento materno exclusivo de crianças com menos de quatro meses é de 52%. Na outra ponta, cresce o movimento pela amamentação prolongada, que significa dar de mamar por mais que 2 anos. Às vezes bem mais.

A prática gera polêmica: de um lado, os defensores da amamentação apontam benefícios nutricionais e psicológicos, pois a criança cresceria mais segura, de outro, muitos pediatras e psicanalistas veem apego exagerado da mãe e exclusão do pai numa fase em que a criança deveria ganhar autonomia; no meio, as mães que escolhem amamentar uma criança maior, que até já anda, se sentem discriminadas.

 

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Você é mãe o suficiente?

 

Em maio deste ano, a revista norte-americana Time estampou na capa uma mulher amamentando uma criança de 3 anos, acompanhada da manchete “Você é mãe o suficiente?”. A modelo fotografada é uma das mães adeptas do “attachment parenting”, ou criação com apego, teoria desenvolvida há 20 anos pelo médico norte-americano Bill Sears. Segundo a teoria, quanto mais apego nos primeiros anos, mais autonomia e equilíbrio emocional depois. Sears defende princípios como amamentar sempre que o bebê pedir (a chamada livre demanda, ou LD nas conversas nos grupos de mães na internet), deixá-lo dormir na cama dos pais (cama compartilhada ou CC), carregá-lo bem próximo ao corpo com o auxílio do sling e não ter uma idade limite para o desmame.

O médico especialista em amamentação pelo International Board Certified Lactation Consultant Marcus Renato de Carvalho, pai de Clara e Sophie, acredita que essa teoria vai além do aleitamento. “A filosofia da criação do apego parte do paradigma de que o ser humano é capaz e completo desde o nascimento. Os bebês não choram para nos chantagear e,sim, por necessidade”.

 

Preconceito

 

Quando as mães decidem pela amamentação prolongada, acreditam estar fazendo o melhor para os filhos, mas precisam lidar com o julgamento de mães que não aceitam ver crianças grandes mamando. “Infelizmente, na nossa sociedade, o natural não é considerado normal”, conta a blogueira Isabela Kanupp, mãe de Beatriz, que diz já ter passado por situações inusitadas por amamentar a filha, hoje com quase 3 anos, e que está consciente de que as críticas e a pressão vão aumentar.

Há quem estranhe mães que amamentam crianças maiores, pois não é algo comum no Brasil. Isabela diz não ter planejado a amamentação prolongada, mas continuou porque percebeu que o leite materno trazia benefícios para a saúde da criança. “Assim como eu não planejei a amamentação prolongada, não planejo quando ela vai parar. Enquanto está bacana para ambas as partes, continuo”, conta Isabela.

Outras mulheres vivenciam situações semelhantes. Bruna Galves, mãe de Pedro, ainda amamenta o filho que tem 1 ano e 8 meses. “Ainda não sei como vou tirar esse apego dele. Mas, é muito bom. Pretendo amamentá-lo até os 2 anos”, contou Bruna no 5º encontro Culpa Não!, realizado todos os meses aqui na redação da Pais & Filhos. Camila Rodrigues, mãe de Catarina, disse que vai amamentar até quando puder. “Se ela quiser mamar até os 7 anos, eu vou deixar”, diz.

 

Mais independentes

 

A enfermeira responsável pelo grupo de aleitamento materno do Hospital e Maternidade São Luiz, Márcia Regina da Silva, filha de Maria e Joaquim, acredita que continuar amamentando o bebê depois do sexto mês garante apoio nutricional e fortalece vínculo entre mãe e filho. A enfermeira afirma que a amamentação prolongada só pode ser prejudicial se for estendida por muito tempo, quando a criança deixa de ingerir nutrientes necessários, interferindo, assim, no desenvolvimento infantil saudável.

A polêmica da amamentação prolongada faz parte do cotidiano dos atendimentos de muitos médicos, como o dr. Marcus Renato, que defende a técnica da criação com apego do dr. Sears. “As sociedades industrializadas podem compensar alguns benefícios imunológicos da amamentação por meio de vacinas, antibióticos e melhorias sanitárias e higiênicas. Porém, as necessidades físicas, cognitivas e emocionais das crianças persistem”.

O médico ressalta que a ideia de que o bebê irá se atrasar em seu desenvolvimento e que se tornará um “materno-dependente”, além de geradora de culpa, é falsa. “Os bebês amamentados no segundo ano de vida, com a introdução correta e oportuna dos alimentos complementares, são mais maduros e independentes que os demais”, explica.

 

Saiba como as mães lidam com a pressão na hora da decisão de amamentar

 

Apego da mãe

 

Mas, se muitos especialistas enxergam benefícios na prática, outras a acham inócua ou mesmo prejudicial. O pediatra Marcelo Reibscheid, pai de Bruno e Theo, afirma que, depois dos 2 anos de idade a amamentação não traz nenhum beneficio imunológico ou afetivo. Ele diz que todos esses benefícios já foram concretizados nos primeiros 24 meses.  Para ele, a grande dificuldade das mulheres que se tornam mães é aceitar que o bebê cresceu, e o desmame pode acontecer entre os 6 meses e 1 ano de idade.

Para esses especialistas, quanto mais velha for a criança, mais complicado pode ser o desmame, tanto para a mãe, que sente falta da proximidade que a amamentação garante entre ela e o filho, como para a criança, que precisa separar-se da mãe para se desenvolver. “A separação entre mãe e bebê é muito importante para que ela seja capaz  trilhar um caminho com maior independência”, diz Neyla França, psicanalista infantil da Sociedade Brasileira de Psicanálise e mãe de Lúcia, Eduardo e Ricardo. Ele defende que o processo de desmame, iniciado aos 6 meses com a introdução dos primeiros alimentos, deveria estar finalizado com 1 ano de idade.

 

Pai excluído

 

“Hoje em dia, existe uma confusão enorme por quem apoio a amamentação até os 2 anos de idade, pois não levam em conta os aspectos psicológicos da criança”, ressalta a psicanalista Neyla França. “Acho isso um exagero. É fundamental que a mãe vá assumindo a função dela de mulher, pois essas mamadas prolongadas coincidem com a exclusão do pai”, explica.

Além das questões psicológicas que envolvem a polêmica, há também a nutricional, outro fator que divide as opiniões dos profissionais. “No começo, o leite ainda tem papel preponderante, mas, aos poucos, vai perdendo a importância nutricional, porque a criança já retira o que precisa de outras fontes”, afirma o dr. Leonardo Posternak.

 

Consultoria: Marcus Renato de Carvalho, médico especialista em amamentação pelo International Board Certified Lactation Consultant e pai de Clara e Sophie

Márcia Regina da Silva, enfermeira responsável pelo grupo de aleitamento materno do Hospital e Maternidade São Luiz e filha de Maria e Joaquim

Marcelo Reibscheid, médico pediatra e pai de Bruno e Theo

Neyla França, psicanalista infantil da Sociedade Brasileira de Psicanálise e mãe de Lúcia, Eduardo e Ricardo

Leonardo Posternak, médico pediatra, presidente do Instituto da Família e pai de Luciana e Thiago

 

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