Fernando Hernández e Uma Pedagogia Desobediente

Fernando Hernández e Uma Pedagogia Desobediente

No dia 14/4/2025 aconteceu o lançamento da obra Uma Pedagogia Desobediente – tecendo a sala de aula e a vida escolar a partir de projetos de indagação, traduzida no Brasil pela Editora Penso. O evento foi realizado em Curitiba, sob a coordenação das escolas Trilhas e Tistu e contou com a presença do professor espanhol Fernando Hernández, que além de autor assina a coordenação da obra em parceria com Marisol Anguita.  Mais de 300 educadores de escolas privadas e públicas compareceram ao encontro, no qual o professor realizou uma importante exposição em torno da ideia de uma “pedagogia desobediente”.

Hernández iniciou sua fala afirmando que o seu “ser pedagógico” começou a se formar aos 24 anos quando foi questionado por um amigo onde ele gostaria de desenvolver seu compromisso social quando completasse seus estudos. Esse importante questionamento fez parte do processo que o fez entender que a escola seria um bom lugar para se viver. Sobre isso ele afirmou:

Um lugar para explorar um lugar para viver pode ser a escola. Porque a escola não é só um lugar que fecha a porta, um lugar que controla e que possibilita também. É uma construção onde as pessoas podem viver a possibilidade de ser”

O professor afirmou que umas das principais mudanças presentes nesse livro, em relação a outros mais antigos, é que o foco não está mais na aprendizagem. Para ele, a escola não é só um lugar para aprender, mas também socializar e conhecermos uns aos outros. Outro destaque deste livro é a introdução da ideia de que aprender precisa se conectar com os afetos, logo que aprendemos quando nos sentimos afetados. Aqui o afeto não possui sentido de emoções.Afetos são aquilo que gera transformação no indivíduo. Em congruência essa perspectiva é a vinculação da aprendizagem com o desejo, sendo o desejo como algo que parte do corpo. Neste sentido, o autor defende que a aprendizagem não é só uma capacidade cognitiva, mas também um movimento de um desejo que passa pelo corpo. Hernández citou então Bell Hooks afirmando que o motor do pensamento crítico é o desejo de saber e, portanto, a escola precisa motivar o desejo das crianças em saber como a vida funciona.

Destacou que estamos passando de um mundo analítico para um mundo virtual e com isso está emergindo um novo ser humano. Para o professor estamos experienciando um contexto de hiperestimulação que produz um curto-circuito no espírito crítico, sendo necessário contar uma outra história. Surge, então, a ideia de uma pedagogia desobediente.

A ideia de uma desobediência na escola é caracterizada por não prefigurar o aluno, o professor e o conhecimento e estar aberto para a ideia de que o conhecimento pode ser muitas coisas. Ideia que vai na contramão das inúmeras tentativas da psicologia e da pedagogia de tentar afirmar como deveriam ser professores e alunos. Relacionado a esse assunto, quando questionado sobre o que pensa sobre a questão dos alunos neuro divergentes, ele afirmou que há um movimento no mundo, muito presente na educação brasileira, de procurar designar rótulos, como maneira de lidar com a diversidade.  A partir da sua experiência com escolas diversas e complexas Hernández acredita que é importante buscar o potencial de cada indivíduo e não olhar para as suas carências. Ele afirma que muitas vezes os diagnósticos representam uma etiqueta sobre o que a criança não pode fazer.

Pensar em uma pedagogia desobediente significa também questionar ordenações estabelecidas que colocam os sujeitos em posições de submissão. Ele então cita como exemplos dessas ordenações, a tecnologia, o individualismo, o extrativismo da natureza, a exploração do trabalho, a desigualdade, a violência sistêmica e o negacionismo. Alertou ainda que precisamos pensar realidades que subvertem as posições de servidão, para que possamos ser atores ativos do nosso presente e do nosso futuro.

O professor afirma que os projetos de indagação nos ajudam a olhar os currículos com outros olhos. E os projetos pensados a partir de uma ideia de desobediência tentam trabalhar com definições rigorosas do que é o conhecimento e a dissidência. Ele afirma que se não há dissidência não há educação. Isto significa reconhecer que o conhecimento vai para múltiplos caminhos e que há outras formas de pensar. Além disso, a desobediência precisa ser rigorosa, implicando a leitura crítica e aprender a argumentar e se conectar profundamente com os movimentos sociais que querem transformar a realidade.

Além disso, o autor ainda defende que é preciso ter expectativas altas para todos os alunos. Também é preciso sair da ingenuidade, questionar as liturgias da escola e desafiar os estudantes para ação e decisão. Uma aprendizagem desobediente é subversiva no sentido de ser inquietante. Não serve para deixar o estudante satisfeito, mas para movê-lo e o faz perceber que as coisas poderiam ser diferentes. Convida os alunos a duvidar o que é o normal, como se estabeleceu a normatividade e como ela nos habita. É preciso introduzir as condições para autorreflexão e de crescimento pessoal  e coletivo. Isto porque uma das funções mais importantes da escola são estes conhecimentos.

Por fim, a ideia defendida no livro em que reafirma a importância de se construir uma base de conhecimento sólida, e que os projetos de indagação são uma forma de se construir esta base. Também nos instiga a questionar por que pensamos como pensamos, quais forças que nos dominam, e quais são os aspectos que nos levam a ver o mundo de um jeito e não ver outras possibilidades. Hernández também relembrou que é importante ter em mente que nunca encontramos respostas finais e que sempre haverá novas perguntas e respostas.

O encontro com Fernando Hernández foi emocionante e seus pensamentos provocam um contraste inquietante com as formas estabelecidas, principalmente no Brasil, de se educar, pensar a educação e os indivíduos que compõem seus processos.

            O autor aproveitou o momento para fazer uma defesa da importância dos professores. Ele relembrou que durante os anos 2000, com a presença da tecnologia, se insistiu que através disso não era mais necessária a presença dos professores. Hernández afirmou que pensar em uma pedagogia desobediente é sobretudo uma defesa do papel dos professores na construção e transformação da sociedade. Quando questionado sobre o que ele diria para professores que estão iniciando sua trajetória na educação ele diz que a esperança é revolucionária. As pessoas que chegam na escola são pessoas que têm esperança, esperança nas crianças e de que o mundo pode ser de outro jeito e que é possível contribuir para que o mundo seja de outro jeito. Ele parabenizou então aqueles que continuam querendo ser professores, mesmo que uma parte significativa da sociedade não acredite nessa profissão.

Fernando Hernández concluiu sua fala afirmando que a desobediência é sobretudo revisar a estrutura das formas pedagógicas que estão estabelecidas. O professor mostrou a imagem de um grafite encontrado nos banheiros da Universidade do Porto onde estava escrito: “Na sala de aula se forma um cidadão, na sala de aula se muda uma nação”.

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