Crianças se preocupam em ser magras

Crianças se preocupam em ser magras

O desejo de cultivar um corpo ideal (leia-se magro) tem se disseminado até entre os pequenos. Foi o que revelou um estudo conduzido pelo Common Sense Media, uma organização norte-americana dedicada a auxiliar filhos e pais a lidar com a profunda influência da tecnologia e da mídia na sociedade. Baseados em uma série de pesquisas relacionadas à autoimagem, os pesquisadores reuniram estatísticas desconcertantes, que oferecem um panorama sobre o tipo de relação que as crianças estão construindo com sua autoimagem. De acordo com a pesquisa, nos Estados Unidos, um terço dos garotos e mais da metade das garotas com idades entre 6 e 8 anos acha que o corpo ideal é mais magro do que o seu. Outro dado revela que uma em cada quatro crianças já tentou fazer dieta depois dos 7 anos.

“Elas passam a perceber seu tamanho corporal por volta dos 2, 3 anos, quando começam a ter consciência do tamanho do pulo que podem dar, de quais objetos encaixam em qual espaço, de qual roupa serve num boneco”, explica a psiquiatra Marcia Morikawa, do Núcleo de Medicina Psicossomática e Psiquiatria do Hospital Israelita Albert Einstein (SP). É a partir daí que os pequenos passam a se comparar com os demais: amigos, adultos e, claro, com todos os personagens que aparecem na mídia.

As barrigas trincadas, as formas esguias e “sequinhas” e os braços e pernas duros e bem definidos de homens de mulheres que estrelam propagandas, filmes e programas de televisão têm uma influência direta – e maléfica – na definição de parâmetros relacionados não só ao corpo ideal, mas também ao que se entende por sucesso. “A publicidade é que determina os padrões de beleza. O modelo da magreza começou nos anos 1960, com a Twiggy (famosa modelo da época), e foi se acentuando desde então”, explica o psiquiatra Marco Antonio Bessa do Hospital Pequeno Príncipe (PR). Para se ter uma ideia de como os padrões de beleza se enrijeceram, basta saber que o índice de massa corporal (IMC) da Miss America caiu de 22 pontos, nos anos 1920, para 16,9, nos anos 2000.

As crianças são mais sugestionáveis que os adultos. “Elas são mais imaturas: ainda não têm capacidade de contrapor e criticar o modelo e, assim, tendem a reproduzir aquilo que observam”, completa Bessa. Elas querem ter a cinturinha das princesas da Disney, os músculos dos super heróis e a aparência das celebridades que estampam as capas das revistas.  A boa notícia é que apesar de a influência da mídia ser inegável – e até incontrolável, em certo ponto – as maiores referências ainda são construídas dentro de casa.

Família-modelo

“Crianças pequenas se espelham em modelos que as cercam, para copiar a maneira de agir e pensar. Pais que manifestam insatisfação corporal ou que são muito críticos quanto à aparência de outras pessoas influenciam na constituição da autoimagem e da autoestima dos filhos”, explica Marcia. Por isso, fazer observações como “nossa, a fulana engordou muito”, “essa pizza têm muitas calorias” ou “não posso comer esse doce porque é muito gordo” na presença deles pode contribuir para que haja uma distorção da relação com o próprio corpo e com a comida.“Comentários a respeito da alimentação, como julgamentos negativos de certos alimentos, acabam influenciando a maneira como a criança vai encarar aquela refeição”, explica a psicóloga e psicopedagoga Melina Blanco Amarins, do Hospital Israelita Albert Einstein (SP).

A comida está presente nas interações sociais, seja no lanche da escola ou nos encontros de família, e faz parte dos diferentes círculos que seu filho vai frequentar. “As refeições devem ser associadas ao prazer. Se os adultos não compartilharem desta sensação, eles devem tentar não transparecer impressões negativas”, aconselha Melina. Por esse motivo, mesmo que os pais tenham seus próprios dilemas com a comida – e muitas vezes até precisem seguir dietas restritivas por uma questão de saúde -, devem se esforçar ao máximo para tratar a alimentação como uma parte importante do desenvolvimento saudável.

Saúde, sim. Paranoia, não

O grande desafio das famílias vai muito além de adotar um estilo de vida saudável que reflita em um peso adequado: é preciso saber lidar de forma equilibrada com as pressões externas, de modo que a relação com a comida e com o próprio corpo seja algo natural e prazeroso. “Os pais devem estar atentos ao comportamento dos filhos e reconhecer não somente os aspectos físicos, mas também cognitivos”, aconselha Melina. Isso começa pela valorização de outras características que nada têm a ver com a aparência. No lugar de elogiar a roupa ou o penteado de uma criança, pergunte o que ela gosta de ler, diga que ela é esperta, engraçada, inteligente… Não se limite ao bonito ou feio. As qualidades das pessoas vão além daquilo que elas aparentam e você pode ensinar isso ao seu filho a não ficar só na superficialidade, tanto no trato com os outros como na relação consigo mesmo.

Outro bom exercício é tentar desconstruir os padrões impostos. “Oferecer modelos diferentes de beleza, mostrar que as fotos não são tão reais quanto parecem: tudo isso vai dando à criança mais condições de questionar as informações que ela recebe”, explica Bessa. E sempre vale lembrar: quanto mais exigente você for com a sua própria aparência, mais vai ensinar seu filho a se cobrar também. A melhor maneira de ensiná-lo a ter uma relação bacana com o próprio corpo é mostrar que amamos as pessoas por aquilo que elas são e não pelo que elas aparentam ser – a começar por você!

ALERTA VERMELHO

Mesmo dando bons exemplos dentro de casa, pais e mães devem prestar atenção no tipo de relação que as crianças nutrem com a própria imagem. Alguns sinais alertam que seu filho pode estar entrando na paranoia da magreza:

– adotar dietas restritivas, eliminando alimentos considerados “muito calóricos”

– manifestar preocupação constante com peso: usar a balança todos os dias, criticar o próprio corpo, ficar examinando o tamanho da barriga no espelho

– comparar-se com outras crianças, colocando-se em posição depreciativa (“Fulana é mais bonita e mais magra do que eu”)

– buscar atividades físicas de maneira exagerada ou querer praticar modalidades inadequadas à idade (Ex: meninos muito novinhos que querem fazer musculação)

É coisa séria

Nos casos mais extremos transtornos alimentares em crianças, os comportamentos são ainda mais radicais: muitas vomitam escondidos ou negam-se a comer. A psicóloga Annebele Gesse, de Blumenau, Santa Catarina, já recebeu diversos pacientes nessas condições. Um deles é uma menina 8 anos e meio, com bulimia e acima do peso, que não conseguia controlar a ansiedade, mas queria emagrecer. “Já fazia quase dois anos que a tia dela havia morrido e ela ouviu que ninguém ia carregar o caixão porque a tia era gorda demais e que, se tivesse comido menos, não teria sofrido ataque do coração”, conta a médica. Outra vez, passou pelo consultório uma menina de 2 anos e meio que não comia nada sólido e vomitava. “A mãe não queria que ela fosse uma criança gorda e batia tudo no liquidificador, pois tinha a ideia que comida líquida não iria engordar a menina”, conta.

Para não deixar que a situação chegue a esse ponto, vale sempre consultar um pediatra caso perceba algum comportamento preocupante. A partir daí, a criança poderá ser encaminhada para um acompanhamento psicológico especializado, se for necessário.

 Fonte: Revista Crescer.

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